
Para Miranda (@marcelomiranda1), os três longas-metragens se destacam "na preocupação com um mergulho sensorial, quase táctil, no que os filmes mostram. "Essa trinca oferece um tipo de experiência bem diferente (e mais intensa) que a média da produção brasileira", afirma.
Leia a seguir a íntegra da entrevista.
Os três filmes - "Cinema, Aspirinas e Urubus", "O Céu de Suely" e "Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo" representam um novo movimento ou corrente que está surgindo no cinema brasileiro (em contraposição, por exemplo, a filmes que exploram a violência e às produções apoiadas pela Globo Filmes)?
Eu não apontaria os filmes como "corrente" ou "movimento". Eles me parecem mais "alternativas" a um tipo de cinema industrial que se tenta criar via produções de apelo menos estético do que televisivo. São filmes de cineastas do nordeste que, se nunca deixam de tocar em questões muito próprias à sua realidade, o fazem de maneiras bastante pessoais, evitado os clichês mais típicos dos "filmes de seca" para se tornarem trabalhos orgânicos. Nesse sentido - na preocupação com um mergulho sensorial, quase táctil, no que os filmes mostram -, essa trinca oferece um tipo de experiência bem diferente (e mais intensa) que a média da produção brasileira.
Que características esses três filmes têm em comum?
Todos eles têm forte presença do corpo como o propulsor de impulsos e ações, seja um corpo em constante deslocamento ("Cinema, Aspirinas e Urubus"), um corpo que é rifado em busca de alguma autonomia ("O Céu de Suely") ou um corpo sobre o qual sua maior característica é a ausência física na imagem ("Viajo Porque Preciso, Volto Porque te Amo"). O que vai enredar esses corpos em cada filme é o choque com o espaço onde eles habitam: em todos os três, o encontro de um corpo com o espaço será o catalisador do que o filme vai mostrar. Ou seja, a realidade enquanto "documento" só importa a esses filmes na medida em que os corpos dos personagens estejam inseridos nessas realidades. Não temos um cinema "social", mas um cinema "corporal", e o que vier de discussões políticas se dará sempre sob essas intermediações.
Pode-se estabelecer, de alguma forma, um paralelo entre o trabalho dos cineastas Marcelo Gomes e Karim Aïnouz e o de Glauber Rocha e outros diretores do Cinema Novo?
Menos de ordem estética e muito mais de ordem temática e espacial. Tanto Glauber quanto Aïnouz e Gomes foram ao Nordeste buscar formas de se expressarem. Portanto, a moldura será a mesma. Porém, em Glauber, temos o choque, a dor, o grito, a revolta, a ânsia do movimento, o sertão que vai virar mar para que o homem comum ganhe seu espaço na realidade social e política do país - algo que tem tudo a ver com o momento histórico de filmes como "Deus e o Diabo na Terra do Sol" e "O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro". Em Aïnouz e Gomes, saímos do sentido "individual-coletivo" que marca as idas de Glauber ao sertão e chegamos ao "coletivo-individual": os filmes partem de um dado já conhecido (a seca ou pobreza faz os homens sofrerem) e, a partir disso, desenvolve seus pensamentos e conflitos, tendo essa realidade como mote para as agruras dos personagens.
Que tipo de contribuição, relacionadas à linguagem cinematográfica e à estética, os três filmes en questão trazem para o cinema brasileiro?
Complementando um pouco as respostas anteriores, eu incluiria que os três filmes fazem da realidade brasileira um dado concreto sem necessariamente torná-la uma questão. Não são filmes de lamento nem de choro pelo que se vive, mas posicionamentos políticos e ativos dos personagens naquilo que eles têm em mãos (e no espaço). A ação é o que os movimenta, nunca a modorria. E os cineastas transformam a câmera em cúmplice dessa ação, e o espectador, testemunha.
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