quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Um novo jeito de fazer cinema no Brasil


Mesmo sem fundar uma vertente que seria o “Novo Cinema Novo” (e, de certa forma, equiparar-se ao Cinema Novo de Glauber Rocha, só que com mais recursos tecnológicos e financeiros), os diretores Marcelo Gomes e Karim Aïnouz se destacam por buscar um jeito diferente de fazer cinema no Brasil. E dão uma enorme contribuição à sétima arte nacional com a produção de longas-metragens que se distinguem dos filmes que têm sido vistos ultimamente no país.

Na filmografia dos dois, três títulos marcantes são “Viajo porque Preciso, Volto porque te Amo” (2010), de Marcelo Gomes e Karim Aïnouz, “Cinema, Aspirinas e Urubus” (2005), de Marcelo Gomes, e “O Céu de Suely” (2006), de Karim Aïnouz. Embora tenham o Nordeste como cenário e a realidade daquela região seja o fio condutor dos enredos (até porque ambos são nordestinos), o que se vê no trabalho deles é diferente do que foi feito no Cinema Novo, por diretores como Glauber Rocha e Nelson Pereira dos Santos.

A miséria e os problemas sociais também aparecem nos longas de Gomes e Aïnouz, mas de forma mais contida, distanciando-se um pouco do tom denuncista e de desespero marcante no movimento das décadas de 50 e 60. No trabalho dos dois, é possível encontrar mais facilmente elementos relacionados ao romance e às relações familiares. Há melancolia, mas há também momentos de riso, de felicidade. A situação pode ser desoladora, mas a capacidade humana de superar e buscar a própria realização nunca é subestimada. Há espaço para a sobriedade e, muitas vezes, a “fúria” de outrora é substituída pelas lutas individuais.

Os “movimentos” (o Cinema Novo e a “dobradinha” Gomes/Aïnouz) estão próximos pelo fato de se voltarem para o interior do país e buscarem retratar classes sociais mais baixas, com seus costumes, mazelas e dificuldades. Mas se distanciam a partir do olhar dos diretores sobre a mesma região geográfica e cultural. A câmera livre e solta, muito comum na filmografia dos dois cineastas contemporâneos, capta as emoções mais interiores dos personagens e os aproximam do espectador, promovendo uma identificação talvez mais intensa do que a ocorrida no movimento de 40 anos atrás.

Dessa forma, Gomes e Aïnouz trazem um frescor ao cinema nacional, que na última década ganhou o estigma – principalmente na visão estrangeira – de privilegiar uma estética da violência, em filmes como “Cidade de Deus” e “Tropa de Elite”. E o mais louvável é que os dois cineastas também se distanciam do outro modelo posto: o de produções que se apoiam na estrutura de patrocínio e divulgação da Globo Filmes.


Sem dúvida, a empresa da família Marinho tem investido pesado na área, mas as produções com sua chancela são, na maioria das vezes, conservadoras e continuadoras dos padrões consolidados pela linguagem televisiva. Esse traço pode ser visto tanto nas temáticas quanto nos elencos – formados, principalmente, por atores conhecidos do grande público pelo seu trabalho na televisão.


Em contraposição a todo esse sistema, Gomes e Aïnouz têm como bandeira a meta que deveria nortear o trabalho de todo e qualquer cineasta: a ousadia. Os dois, em seus filmes individuais e no que fizeram em parceria, se inspiram no próprio Cinema Novo, no Neorrealismo Italiano, na Nouvelle Vague e em procedimentos do cinema contemporâneo. Decerto, é uma miscelânea. Mas o resultado prova que mesclar diferentes linguagens e ainda conseguir dar o toque pessoal é a maneira mais autêntica de fazer arte.



É curioso notar que, justamente por proporem algo novo e descolado do sistema atual de produção cinematográfica no Brasil, Gomes e Aïnouz acabam enfrentando dificuldades em seu trabalho, inclusive dentro do próprio território nacional. Como ficam, de certo modo, à margem da produção convencional, os filmes dos dois costumam se restringir a uma faixa estreita de público.

Nos cinemas, os três filmes em questão ocuparam poucas salas e tiveram curto tempo de exibição. Somando-se o fato de que a divulgação é infinitamente menor do a de um filme, por exemplo, patrocinado pela Globo Filmes, tem-se a dimensão real do quanto a produção autoral ainda é limitada, em termos de público e faturamento. O mais comum de acontecer é as pessoas assistirem aos longas só quando eles saem em DVD.

Mesmo tendo um público relativamente pequeno – se comparado a “blockbusters” nacionais –, “Viajo porque Preciso, Volto porque te Amo”, “Cinema, Aspirinas e Urubus” e “O Céu de Suely” são exemplos de que é possível cativar o espectador com um novo jeito de fazer cinema. Recorrendo a outros movimentos e inspirações, Marcelo Gomes e Karim Aïnouz desenvolvem um trabalho que mostra o amadurecimento da produção cinematográfica brasileira. Sorte de quem tem acesso às suas obras – e paciência para procurá-las entre as estantes da locadora, mesmo que estejam quase escondidas.

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