quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Novos rumos do cinema brasileiro?

Road movie, um outro olhar sobre sertão nordestino, ficção e realidade, fotografia como personagem-chave, filmes que entretêm e fazem pensar


Cinema, Aspirinas e Urubus, (Marcelo Gomes, 2005, Brasil)

Por Eduardo Valente, revista Cinética

”A melhor maneira de descrever seu impacto é afirmar que Cinema, aspirinas e urubus está fadado a ser um filme-paradigma no cinema brasileiro recente. Divisor de águas a partir do qual uma determinada condescendência não pode mais ser permitida, o filme de estréia de Marcelo Gomes em longa-metragem é um corpo absolutamente estranho e sem par no cinema nacional atual.”

“A história de Johann e Ranulpho, espécie de buddy movie pelas estradas do sertão, comove exatamente pelo fato de seu registro apostar tão fortemente na verdade daquela construção ficcional.”

“O outro pólo que completa sua singularidade é o de centrar esta sua aposta na sua própria ficção no seu domínio da linguagem cinematográfica. Equivale dizer que nós só acreditamos no que assistimos ali com tanta força, porque é o cinema de Marcelo Gomes que faz isso conosco. Cinema, aspirinas e urubus tem a qualidade rara do domínio técnico da linguagem que não chama a atenção para si, mas sim que está lá a serviço do que se narra. Assim é sua fotografia, sua montagem, sua direção de arte e figurinos: precisos e até virtuosos, mas nunca auto-conscientes disso, porque servem aos personagens, ao filme. Sem esta resolução em imagens e sons, poderia ser apenas mais uma bela “história filmada”. Com ela, ele é um filme – nem mais nem menos.”

”E é a partir destas características que afirmamos que trata-se de uma obra única e quase inaugurante no cinema brasileiro atual.”



O Céu de Suely, Karim Aïnouz

(2006, Brasil/França/Alemanha)

Por Paulo Santos Lima, revista Cinética

“O Céu de Suely começa com imagens captadas em Super 8, acompanhadas da narração em off da protagonista, que em tom poético-literário dá contornos românticos à cena, que mostra seu homem e ela brincando. Os tons remetem a um filme caseiro, ou, mais ainda, àquelas fotografias tiradas nos anos 70, aquelas guardadas preciosamente no álbum de família, reservas idílicas de férias que o tempo tratou de tornar ideais. Convidando ao saudosismo, é quase um ponto de partida irônico para aquilo que este extraordinário filme vai discorrer. Ponto de partida, não introdução, porque aquela imagem, de fato, é para ficar num álbum. O que detona o processo dramático do filme está uns 20 minutos à frente, e essa primeira seqüência, portanto, é apenas uma data que só tem sentido como imagem – imagem cinematográfica, no caso. E assim que Hermila toma ciência de que o projeto que tinha com seu marido foi abortado, ela dá as costas para o sonho colorido e tenta seguir em frente com novas regras do jogo.”

“A câmera de Karim continua fiel à essência das ações, usando elipses que deixam o instante encenado em estado de pureza, o que faz nossos olhos terem maior atenção ao que permanece imutável: a presença de corpos nos espaços. É, também, como se o os fragmentos fossem a parte do todo, que é o plano-sequência.“

“O filme de Karim Aïnouz está interessado no movimento, no avanço, e não numa estrada vazia, desolada, longe daquelas fotos e, pior, sem a presença de Hermila.”


Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo (Marcelo Gomes e Karim Aïnouz,, 2010, Brasil)

Por Marcelo Castilho Avellar, Jornal Estado de Minas

“O filme é nova investigação num caminho em que o cinema brasileiro vem se especializando: o desafio às fronteiras entre documentário e ficção ou, pelo menos, às maneiras como os espectadores representam estas possíveis fronteiras.

Essencialmente, o filme é bem simples. Assistimos a uma série de imagens que registram um profundo mergulho no interior do sertão nordestino. São estradas, paisagens, lugares, edificações, objetos e pessoas, cujas imagens reconhecemos como sendo "registros" do real, sem qualquer encenação mais marcada que um eventual posar para a câmera, sem qualquer criação cenográfica, sem atores fingindo serem personagens. Ao mesmo tempo, escutamos um longo monólogo que nos apresenta uma personagem (um geólogo), suas motivações (ele visita os locais por onde passará um canal), sua relação com o que vemos (aos poucos, os lugares e pessoas que conhece deixam de ser apenas objeto de seu trabalho para se tornar polos de relações afetivas), seu drama (a vida que deixou para trás, na cidade grande, se mostra cada vez mais vazia e sem perspectivas).

É do choque entre estes dois eixos que surge a complexidade de Viajo porque preciso, volto porque te amo. A narração dá sentido ficcional às imagens. No confronto com a primeira, enxergamos mais nas últimas seu caráter de etapas de uma história de ficção que o de registros do real. Ironicamente, o contrário também é verdade. Aïnouz e Gomes podem estar mentindo a cada instante, forjando, por exemplo, o nome de cada pessoa ou lugar que vemos na tela ou a verdade sobre suas ações e características. Mas a força documental das imagens é tamanha que, mesmo se temos consciência de que escutamos uma narrativa ficcional, acreditamos que ela preserva na íntegra as informações sobre as imagens – mesmo se não há nada no filme que nos garanta isso.

É novo capítulo de um exercício que mergulha na própria alma do cinema, a montagem, que há um século vem fascinando artistas, espectadores e teóricos. Poucos filmes expuseram tanto a tensão entre real e realismo quanto Viajo porque preciso, volto porque te amo. Isso garante aos espectadores capazes de entrar no jogo proposto pelo filme uma hora e pouco do mais puro e delirante prazer intelectual. Como acontece muitas vezes nesse tipo de exercício, contudo, o prazer emocional não ocorre na mesma quantidade: é provável que, para a maior parte dos espectadores, Viajo porque preciso, volto porque te amo fale mais ao cérebro que ao coração.”


2 comentários:

  1. Gostei muito do blog, do primeiro texto (ótima análise sobre o trabalho dos cineastas) e da entrevista.
    Mas acho que vocês deveriam ter escrito críticas próprias sobre os filmes, seria muito mais valioso como conhecimento e enriqueceria o blog.
    Abs,

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  2. Olá, Amigos!
    Somos o Movimento NOVOCINEMANOVO pela renovação do documentário nacional, em ação desde outubro de 2008 & com participação em festivais como os de Brasília, Rotterdam & Utrecht. Desde fevereiro /2010 colaboramos com a revista Cinema Caipira & noso blog é novocinemanovo.blogspot.com, no ar já há vários meses. Já que o blog de vocês & o nosso tem nomes parecidíssimos mas surgimos antes, como vamos fazer? Que tal uma pizza? Abs
    Tau Tourinho, Gabriel Lopes Pontes & Lucas Virgolino novocinemanovo@yahoo.com.br

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